22.6.11

Uma piada nunca é só uma piada



Há certo tempo, vi uma entrevista com o Danilo Gentili, no programa “De frente com Gabi” (no youtube a data é referente à abril desse ano), onde ele dizia que a piada foi a forma que ele encontrou de dizer verdades. Todo mundo conhece e pratica essa coisa de dizer verdades brincando porque é uma forma de deixar no ar um ponto a ser pensado sem gerar todo o constrangimento que uma verdade pura traz. Acho que o simples fato de dizer que o humor é uma forma talvez mais amistosa de falar verdades já é admitir que uma piada nunca é apenas uma piada e que achar graça nela ou não também não é algo tão inocente quanto parece - ainda que seja espontâneo.

Em outra ocasião (essa mais antiga), Oscar Filho foi fazer uma matéria na Pet Fashion Week. É claro que eles queriam tirar um sarro com essa história de artigos de luxo para animais. Ao entrevistar Luisa Mell, Oscar Filho fez uma piada daquelas típicas de comerciais de cerveja (onde os homens são retratados como grandes babacas, convenhamos): “Sabe aquela máxima: se correr o bicho pega, se ficar o bicho come? Se isso acontecesse agora você iria preferir ser pega ou ser comida?”. Até aí não estava acontecendo nada de muito diferente do habitual. Até que o entrevistador decidiu fazer mais uma piada “Uma vez eu peguei meu gato e coloquei dentro da geladeira. Isso é maldade?” Quando Luisa Mell o questiona sobre a veracidade do fato, o entrevistador insiste e diz que realmente cometeu tal ato. Então, ela simplesmente fala: “Você não pode falar isso na televisão, você sabe que tem gente que te assiste, vai achar que isso é verdade e vai fazer a mesma coisa.” Mesmo diante de uma resposta dessas, ele resolveu insistir. “Mas é verdade. Não é mentira. Eu estou falando sério.” e Luisa Mell dá a resposta que põe fim à matéria: “Então me dá o seu endereço em Atibaia que eu vou te denunciar.

Em um Top Five, também antigo (segundo o link no youtube o programa é de maio de 2008), o CQC fez piada com o fato de Luisa Mell ter chorado em seu programa enquanto falava da conquista do estado de São Paulo a respeito da proibição da eutanásia em animais sadios. A apresentadora, defensora e ativista dos animais comentou o fato em seu blog: “Apesar de muitas pessoas aplaudirem essa vitória, para a minha surpresa Marcelo Tas e sua trupe "CQC" classificaram como inútil se preocupar com os animais.” E a gente não precisa nem ser muito inteligente para saber que quando Marcelo Tas e sua trupe classificam algo como inútil, grande parte dos seus telespectadores e claro, seguidores do twitter, também o farão. 

Um fato mais recente que o da Luisa Mell é o da blogueira Lola, cujo blog eu leio há bastante tempo. Quem me apresentou o blog da Lola foi a Raiza, para que eu pudesse aprender mais sobre feminismo (lembro que eu estava buscando por informações sobre o tema e o blog da Lola realmente é bastante esclarecedor de uma forma nada cansativa). A questão é que a Lola fez um post - muito bacana, por sinal - criticando as piadas do CQC sobre a amamentação em público. E foi ameaçada de processo pelo Marcelo Tas que, pelo visto, adora falar dos outros (até dos seios), mas quando ele é o alvo parece não achar muita graça. Ao insinuar que apenas as mulheres consideradas bonitas deveriam amamentar em público, todo um pensamento machista está sendo ali exposto: o de que o corpo da mulher é apenas para satisfação do homem, desconsiderando que elas estejam alimentando seus filhos e que eles nada tenham a ver com isso. Ao expor esse machismo e tornar a atitude de amamentar em público uma piada a respeito da beleza ou não das mulheres que o fazem (dentro dos conceitos deles do que é belo, claro), eles estão, como disse Luisa Mell, influenciando um montão de gente que assiste ao programa e vê aqueles caras como uma espécie de porta-voz das suas opiniões, ainda que eles estejam dizendo verdades por meio de piadas, eles estão falando para todo um pessoal que concorda com eles. Um pessoal que vai rir de uma piada sobre estupro (inconscientemente culpando a vítima), vai rir de uma piada sobre amamentação em público (analisando a beleza das mulheres que o fazem e condenando as consideradas feias), um pessoal que vai rir de uma piada feita em cima da causa dos defensores dos animais (transformando em piada e categorizando como inútil uma luta tão importante).

Ao transformar uma causa em piada, retira-se a credibilidade dela. Um comunicado importante se transforma em algo risível. Uma piada nunca é apenas uma piada, ela está aí pra reforçar valores que estão há muito tempo impregnados em nossa sociedade e tem uma galera muito bacana lutando contra esses valores simplesmente para que possam viver melhor e em paz. Certa vez eu li uma frase que julguei genial na Revista dos Vegetarianos : "É mais fácil perder o trono que perder o hábito. - disse o rei de Bourbon.” Eu, como feminista e defensora da causa animal, sei o quanto é difícil lutar contra um hábito - acho que essa palavra se aplica perfeitamente. Será mesmo que vale a pena proferir tantas besteiras e se justificar dizendo que "é só uma piada"? O "é só uma piada" não só não justifica como me parece uma atitude meio covarde de não se responsabilizar pelas próprias palavras e fingir não reconhecer estar reforçando preconceitos. Se com a piada eles tiram a credibilidade de uma causa, com a justificativa de que "é só uma piada" eles transformam em mal humoradas nós que reclamamos. Acho muito mais original uma piada que desconstrua esses valores tão arcaicos e traga realmente algo de novo. Aí sim o humor estaria sendo utilizado de uma forma realmente bacana. Porque sim, não somos pessoas de mal com a vida. Adoramos bom humor. O que entristece é ver que esse humor conservador e machista está longe de perder o trono. E humoristas conservadores e machistas estão longe de perder o hábito.

16.6.11

O novo blog


Tenho blogs desde 2003. Adoro isso, embora eventualmente corte a relação. Esse espaço aqui é novo. Mas todo o resto é velho. Ou não. Puxa uma cadeira, pega um copo, bora falar mal dos outros. Só pra completar esse ciclo de despedida (do blog antigo) e renovação (com o blog novo). Mentira, tudo papo furado. Mas eu quero postar um texto bastante despretensioso e que me causa uma certa vergonha. Eu havia feito para o blog antigo, o "Meio Amargo".


Cheiro de livro.
Barulho de chuva.
Cheiro de chuva.
Fotos 3x4.
Filmes ruins.
Fotos ruins.
Beliscar enquanto cozinha.
Conversar de madrugada.
Beliscar de madrugada.
Falar com os olhos.
Rir sozinha.
Falar sozinha.
Mãos dadas.
Cervejas geladas.
Mãos geladas.
Dormir até tarde.
Chorar ao colo de alguém.
Dormir ao colo de alguém.
Meio nostálgica.
Mastigando o amargo.
Meio amargo.

Só porque o gosto meio amargo está aqui todos os dias. Certas vezes, acostumada com a presença habitual, eu simplesmente o ignoro. Inconscientemente o ignoro. Noutras, talvez pela ausência de outros sabores, ele se torne mais acentuado. Desagradável. Forte. Constante. Como se eu, subitamente, me desse conta de uma velha cicatriz e, somente por ter me dado conta, ela voltasse a doer.