25.7.11

Cinema e memória: La noche de los lápices

Eu adoro filmes baseados em fatos reais (quando era criança adorava assistir um filme sobre o resgate de uma menina que tinha caído em um poço e um outro sobre estudantes que sofriam um acidente de ônibus voltando de algum passeio escolar; não lembro o nome desses filmes, mas lembro que era só saber que era baseado em fatos reais que eu sentava para assistir). Talvez contraditoriamente, detesto ver cenas de violência/tortura, sejam elas referentes à um fato real ou não. Em alguma outra vida devo ter passado pelo mesmo tratamento que o Alex DeLarge em Laranja Mecânica, porque fico bastante enjoada com qualquer cena de violência.

Precisei apresentar um seminário sobre "cinema na América Latina" e justamente a parte que eu deveria falar era a dos filmes realizados sobre as ditaduras militares. Como fiquei encarregada de falar sobre filmes que certamente me dariam enjoo, escolhi assistir apenas um de uma lista com cerca de dez filmes. O escolhido foi o argentino “La noche de los lápices” de 1986, dirigido por Hector Oliveira. Assisti pelo youtube mesmo, sem legendas e pronta para pular as cenas violentas. Acontece que mesmo num espanhol rápido e muitas vezes incompreensível e passando rapidamente as cenas de tortura, o filme conseguiu me prender de tal forma que passei o dia inteiro meio por fora do que acontecia à minha volta.


“La noche de los lápices” conta a história da noite de 16 de setembro de 1976, quando sete estudantes (inclusive menores de idade) foram sequestrados, durante a ditadura militar argentina, por estarem envolvidos com o movimento estudantil. Considero o filme interessante para a memória da época porque mostra a importância dos estudantes como força de resistência às ditaduras latinoamericanas e ao mesmo tempo mostra o que mais mexe comigo no que diz respeito à todos esses estudantes: a inocência.

Algumas cenas me chamaram atenção. Primeiro, o discurso feito nas escolas no qual as autoridades diziam que os colégios nunca mais seriam âmbito para a propagação de ideias atéias e anti-nacionais. O filme também mostra um padre dando a extrema unção à prisioneiros que seriam executados retratando o apoio da Igreja Católica.

Além disso, o filme mostra a busca das mães pelos seus filhos desaparecidos durante a ditadura e o descaso das autoridades em relação à elas. Eu simplesmente não havia parado para pensar que muitas crianças, filhas de pais tidos como subversivos - o que, na Doutrina de Segurança Nacional era considerado terrorismo -, foram colocadas para adoção e criadas por outras famílias, então as mães com filhos desaparecidos não são apenas aquelas cujos próprios filhos foram tidos como inimigos do governo, mas também quando os pais eram considerados “terroristas”.

Esses estudantes tiveram suas casas invadidas enquanto dormiam, seus bens foram destruídos, eles foram levados para longe da família e torturados A cena do sequestro mostra bem isso. Como já disse, esses filmes por mais interessantes que sejam - e eu acho que vale a pena assistir -, causam mal estar. Acredito que esse mal estar é necessário, para que deixe vivo na memória um fato que infelizmente é ponto em comum dos países latinoamericanos. E, uma vez estando vivo na memória, isso acabe contribuindo para que não seja permitido que tal fato se repita. Afinal, o governo se definia como uma democracia, pelo menos a ditadura brasileira não se anunciava como ditadura, pelo que sei. E, mesmo com o fim da ditadura militar, não vejo democracia como um termo palpável.