7.4.19

meu primeiro álbum de k-pop

[Data original do texto: 14/08/2018]

Num passado longínquo conhecido como o ano de 2003, eu, no auge dos meus treze anos, estava baixando umas músicas na internet, começando a amar os Beatles. Eu lia muitos blogs na época e através deles fui conhecendo artistas e buscando mais sobre eles. Foi assim que eu conheci esse primórdio de boy band chamava The Beatles, mas foi também assim que eu conheci uma cantora coreana chamada BoA. Ouvia algumas músicas dela, achava diferente a escrita do nome com esse "A" maiúsculo ao final e, claro, o próprio significado da palavra "boa" no Brasil, que ajudava a soar familiar e até engraçado. Ressaltando que eu tinha treze anos, é basicamente dessas coisas que eu lembro.

Quatro anos depois, minha irmã mais velha estava conhecendo uma boy band coreana chamada DBSK (ou TVXQ). Ela disse que se tivesse curtido a BoA comigo, lá em 2003, teria conhecido o DBSK em seu debut (sua estreia). Mas, tudo bem, lá estávamos nós ouvindo DBSK por volta de 2007/2008, pois não demorou muito para eu gostar também. Até hoje é a minha boy band coreana favorita e uma das melhores do mundo pra mim.

O DBSK acabou se separando por uma briga com a agência, três integrantes quiseram sair e processar a gravadora e dois quiseram continuar (do the math, o grupo tinha cinco integrantes). Os três que saíram formaram o JYJ e eu acabei não acompanhando mais*. Em 2011, o Junsu fez um show solo em um espaço bem pequeno em São Paulo e eu estava lá. A dupla restante vem apresentando trabalhos primorosos, um nível de qualidade artística que faz jus ao pop**.


Apesar de ter sido eu a ouvir a BoA em 2003, quem claramente é mais envolvida com música aqui em casa é a minha irmã. Ela escuta uma série de boy bands e girl bands coreanas, assim como artistas mais alternativos. Eventualmente, algo me chama mais a atenção e eu começo a gostar também. Mas, com o meu "recente" amorzinho, as coisas não aconteceram assim tão naturalmente.

Eu comecei a dar alguma atenção ao BTS após muita insistência da minha irmã. Ano passado ela foi a um show dos meninos em São Paulo e eu não podia estar me importando menos com tudo isso. A primeira vez que eu lembro de ter sentado para assistir ao BTS foi na premiação da Billboard, ano passado, em que eles foram receber o prêmio de "Top Social Artist". Minha irmã já estava naquela expectativa, acompanhando o tapete vermelho e eu parei displicentemente para assistir. A gritaria das fãs fazia os repórteres questionarem se não eram os novos Beatles. Resolvi continuar assistindo porque vi que a Vanessa Hudgens ia apresentar, pude ver a estreia solo da Camila Cabello (já amada desde os tempos de X-Factor e que também vem fazendo um trabalho pop muito bom) e a apresentação de Miley Cyrus com "Malibu". E no meio de todas essas mulheres artistas, eu acabei vendo uma coisa ou outra dos sete meninos do BTS e simpatizando com eles.

A minha irmã, que já vinha insistindo nessa tecla, percebeu ali a chance de me fazer gostar do grupo (sim, rolou todo um empenho e estratégia). Acabei começando a assistir uns episódios do BTS Run, que eles lançavam semanalmente (agora em hiatus) e quando vi eu estava verdadeiramente gostando dos rapazes. Ou seja, eu não comecei a gostar de BTS pela música, mas pelas personalidades, pela interação entre eles e toda a graça que eu vi nisso (o BTS Run é um programa dinâmico e bem humorado). Depois foi que eu comecei a prestar atenção nas músicas e ver ali mais do pop que eu gosto. A primeira música que eu lembro de ter amado e que até hoje é o meu vídeo clipe favorito, é o solo do Jimin em "Serendipity":


Dos solos recentes, eu também gosto muito do "Singularity", do Taehyung:


Bom, com todo esse caminho percorrido no k-pop, eu nunca tinha adquirido um álbum de nenhum artista (porém tentada com a beleza das imagens em "Keep your head down" do DBSK). E da mesma forma quase displicente que eu me tornei fã de BTS, também foi assim que eu adquiri meu primeiro álbum. Minha irmã (de novo, ela) comprou dois álbuns por causa dos cards (cada álbum vem com um card de algum integrante do grupo, em algum photoshoot, e ela coleciona os cards do Yoongi. Ela compra os álbuns e quando vem cards de outros integrantes, ela revende ou troca pelo site feices). Só que os dois álbuns vieram com o mesmo card do Taehyung, que é o meu bias (vulgo "favorito", nessa coisa divertida que é dividir integrantes de boy bands como pedaços de pizza***). Antes dela revender, perguntou se por acaso eu não queria ficar. E eu fiquei. Ou seja, o álbum caiu no meu colo. Meu primeiro álbum de K-pop! Yay!

*Muitas fãs tomaram partido nessa briga, eu não. Sei pouco sobre o que aconteceu e só não acompanhei o JYJ porque não me chamou atenção mesmo. Mas, como eu disse, fui ao show solo do Junsu em 2011.
**Como o gênero pop está relacionado com uma cultura de massa e a cultura de massa é vista como uma espécie de subcultura, muita gente parte do princípio de que a música pop é sem qualidade e desmerece não só ótimos artistas, como a capacidade crítica das fãs. E digo das fãs (no feminino), porque aí tem outro aspecto que alimenta o preconceito. O público é majoritariamente feminino e o pop é bem difundido entre adolescentes. A nossa sociedade coloca o universo feminino, sobretudo a caricatura do universo adolescente feminino como algo inferior. Novamente, o pop fica neste lugar de subcultura. Tudo bullshit, claro. Além disso, vale citar todo o esteriótipo de piada no qual a cultura ocidental coloca a população do dito "Extremo Oriente" (Japão, China, Coreia etc), o que contribui pra todas as piadinhas prontas (e preconceituosas) que a gente vê rolando por aí. Com tudo isso, pra muita gente, o K-pop está num nível em que se deveria ter vergonha de assumir gostar. As pessoas são bestas e não é de hoje.
***Vi essa analogia num programa da MTV com a Marina Person, falando sobre Backstreet Boys, se não me engano. Coisa antiga, também. Mas nunca esqueci pois é isso mesmo. E é parte da graça.

Como eu só postei solos do BTS, fiquem com essa música que sempre me dá vontade de chorar:



6.4.19

gossip girl

[Data original do texto: 09/07/2017]

Este texto contém spoilers.

Não assisti Gossip Girl no período em que a série foi ao ar e, sinceramente, foi uma surpresa saber que a série acabou em 2012, pois achei relativamente recente. Pra mim, GG tinha acabado há mais tempo. Também não sabia mais da série além da história de que a Serena, a it girl local, tinha voltado após um período sumida e que isso ameaçava de alguma forma a Blair, que era também sua amiga. Os outros personagens além de Blair e Serena e demais detalhes foram todos novos pra mim. O que eu achei ótimo.

Uma coisa que me aborreceu a respeito dessa série é que a história em si é bem boa (nunca li os livros, ok?) e poderia ter rumos tão mais interessantes, mas manteve-se rasa e repetitiva ao longo das seis temporadas. A ideia do blog comandado por uma pessoa anônima que acaba por receber informações dos outros pra alimentar seu conteúdo, a família do Brooklyn com os filhos sendo educados numa escola de elite, o Dan como outsider e a Jen se esforçando pra ser incluída (e sabendo jogar o jogo, sem ser uma coitada), o conflito de amizade e rivalidade da Blair e Serena, os adultos hipócritas, o fato de que a história se passa (inicialmente) no ensino médio... Céus, tudo isso me pareceu muito bom. Mas foi conduzido de uma forma muito ruim.

Quando digo rasa penso nos personagens que não crescem ao longo da série. Eles começam no início do ensino médio e ao final da série estão empregados e casando (a faculdade se perde durante a história, eles frequentam durante uma temporada e depois isso é deixado de lado), mas eles simplesmente não crescem de forma alguma, os comportamentos que tem na primeira temporada são os mesmos da última e suas vidas giram em torno das mesmas questões. Quando eu penso isso, eu lembro de Friends (uma série ótima, vale dizer) onde a única personagem que eu vi crescer foi a Rachel. Ela era aquela patricinha bancada pelo pai, que ia casar com um cara rico e ter um futuro certo, mas abandonou tudo isso e foi morar sozinha, trabalhando como garçonete e depois construiu sua carreira na área que queria, a de moda. E a gente vê uma diferença entre a Rachel do início da série e a Rachel do final, entendem? Se em Friends esse crescimento só acontece com a Rachel, em GG não acontece com ninguém.

Também penso em rasa quando penso a própria questão da Gossip Girl. Por vezes ela mais parece narradora da história do que um elemento relevante no desenrolar das coisas. Ao final da série, os dramas em torno do malvado pai do Chuck e de seu relacionamento com a Blair ofuscam o mistério sobre quem é a Gossip Girl e essa questão sequer tem peso sobre o espectador durante as temporadas. A GG deveria ter muito mais capacidade de intervenção na história pra sua identidade se tornar algo realmente relevante.

Sobre ser repetitiva, a gente pode pensar na quantidade de vezes em que a Georgina volta para a série e é mandada para longe. Ou a Jenny Humphrey, que se deslumbra querendo fazer parte do universo da elite e passa por cima dos outros pra isso e depois se redime e recupera os valores da sua família, pra então se deslumbrar de novo. E Serena, que começa a série voltando de um sumiço e viaja pra longe tantas outras vezes para se reconstruir. Também o Nate, sempre se envolvendo com uma mulher que não é quem diz ser. A sensação é de assistir as mesmas coisas várias vezes. Testa a nossa paciência. Até ressuscitar o Bart eles ressuscitam e a Lily retorna à mesma história do início da série, para então ficar viúva de novo! Do mesmo cara! É o auge da repetição.

A gente perde personagens que podiam ser mais complexas, como a Jenny, a Vanessa e o Eric. A Little J sai da série ainda perdida nos seus ciclos de rebeldia e redenção e quando reaparece em um ou outro episódio é metida nas mesmas ladainhas. Lamentei muito pela personagem pois na primeira temporada ela tinha muita força, antes mesmo da Blair sobressair. O Eric começa num drama de tentativa de suicídio que fica esquecido ao longo dos episódios e mais pra frente descobre-se que o personagem é gay, o que segue sem maiores destaques dentro da história. Eu gostava de acompanhar a amizade entre o Eric e a Jenny, que parecem outra versão de Blair e Serena, que se fazem muito mal e se amam, mas a gente acaba por perder os dois personagens sem eles terem de fato contado alguma história. A Vanessa é uma que muda ao longo das temporadas, mas pra pior. Eles descaracterizam a personagem e quando ela sai da história sequer é amiga do Dan e parece uma pessoa muito ruim, o que certamente não era a proposta para ela (ainda que ela seja chata desde o início).

O Dan é outro que poderia ter sido melhor explorado ao longo da série, passando essa coisa do cara que é de fora daquela realidade e aparentemente pé no chão, mas que no fundo queria fazer parte daquele universo e esse desejo dele é maior do que se pode imaginar. O fato dele ser a GG me faz pensar como soa psicopata a relação dele com a Serena porque ele era apaixonado pela mulher e aí foi criar um blog onde ele domina a narrativa sobre a vida dela e essa narrativa é extremamente negativa e prejudicial à ela (e seus amigos). Uma obsessão.

Quem acaba por levar a série nas costas é a Blair. A personagem tem toda aquela imagem da menina romântica e sonhadora que quer viver um conto de fadas, é apaixonada por clássicos do cinema (Bonequinha de Luxo), gosta de ir ao lago alimentar os patos e é carente de afeto da família, mas é ambiciosa no pior sentido da palavra e não se envergonha de suas maldades. O humor da personagem às vezes é caricato demais e me deixava desconfortável assistindo, mas na maior parte do tempo é agradável e eu acabei me apegando e torcendo por ela. Tudo do universo de Blair ganha espaço na série, como o Chuck e a Dorota. O relacionamento dela com o Chuck rouba a cena diante das demais tramas, de forma que ao final isso é tudo que importa e a narrativa gira em torno dessa questão. A questão maior do que quem é a GG, é como o Chuck vai derrotar seu pai para poder viver com a Blair (num pacto que não faz o menor sentido). O figurino da Blair é o mais marcante da série, não só pelas faixinhas no cabelo (a marca da personagem), mas também pelas saias, vestidos e laços que nos guiam a respeito de sua personalidade.

Uma coisa legal é a representação de Blair como uma espécie de Audrey Hepburn e Serena como Marilyn Monroe. Falando nessas duas, um episódio que eu gostei muito é o penúltimo da segunda temporada. A história corre em torno dos sonhos de Blair para o dia do baile de formatura da escola. Aparentemente, ela vinha planejando sua formatura desde sempre em todos os detalhes, desde o seu par (Nate), como seria o vestido até ser coroada rainha do baile. Quem se esforça por trás do holofotes para que tudo saia conforme o planejado é Chuck. Já apaixonada por ele, ao longo da comemoração Blair percebe que ainda que tudo corra como desejou, não era mais aquilo o que queria para si mesma. Achei maravilhosa as cenas finais, quando Blair e Serena estão sentadas na escadaria dividindo seus conflitos e Serena fala que está acompanhada da pessoa que queria, sua melhor amiga. Esse desfecho com as duas juntas, bastando-se uma à outra, transformou esse episódio em um dos meus favoritos. Infelizmente, ao longo da série, Serena torna-se insuportável e os personagens (todos) se fazem tão mal que um final feliz deixa de parecer plausível.

Acho que a série marcou algumas pessoas que a acompanharam enquanto eram adolescentes, pelo que li por aí. Gossip Girl é mesmo ruim em muitos sentidos e serviu apenas para me distrair num momento em que eu precisava ver algo que não exigisse muita concentração. Terminei de assistir com a sensação de que poderia ter sido muito melhor. Uma pena.

5.4.19

era o hotel cambridge

[Data original do texto: 25/04/2017]

Assisti "Era o Hotel Cambridge" no Festival de Cinema de Tiradentes em janeiro deste ano. Carmen Silva, líder da Frente de Luta pela Moradia (FLM), que interpreta a si mesma no filme, estava presente e emocionada com esta obra que mistura ficção e realidade. O impacto do filme sobre mim foi tanto que, de volta ao Rio, eu fui mais duas vezes ao cinema assistí-lo. Além da importância de sua direção feminina (Eliane Caffé), a relevância do filme está em sua capacidade de gerar empatia no espectador, especialmente em tempos de avanço de um discurso de extrema direita.

O abandonado Hotel Cambridge foi ocupado por sem-tetos e refugiados e a história do filme se passa sob a ameaça de reintegração de posse. Ao abordar a ocupação de espaços urbanos abandonados e o preconceito e descaso em relação aos refugiados, o filme humaniza as personagens mostrando seu cotidiano. Apesar dos inevitáveis conflitos, a convivência entre os moradores é pautada em uma solidariedade característica de espaços onde, por se ter pouco, a colaboração é necessária.

O filme não erra ao trazer para sua história o mundo online, quando os moradores se organizam para publicar conteúdo a fim de divulgar sua luta e realidade. É através dos comentários de ódio lidos por Apolo (José Dumont) que vemos o senso comum que rotula os movimentos sociais e as pessoas mais prejudicadas pela desigualdade social de "vagabundos". Fica evidente o abismo existente entre quem são realmente aquelas pessoas e a forma como a sociedade as vê. E aí entra um ponto importante: a reivindicação por moradia e a luta social e política incomodam ao tornar visíveis aqueles que a nossa lógica de sociedade insiste em invisibilizar.

3.4.19

battle royale

[Data original do texto: 23/04/2017]


Battle Royale é uma obra japonesa escrita por Koushin Takami e publicada no final da década de 1990. Trata-se de um jogo de matança promovido por um governo totalitário japonês, que anualmente escolhe uma turma de ensino fundamental (mais especificamente de nono ano) e a coloca numa ilha, obrigando os alunos a se matarem até que haja apenas um sobrevivente. Cada estudante recebe um kit de sobrevivência e cada kit possui um tipo diferente de arma, desde um picador de gelo até uma metralhadora -  o que vai tornar as mortes bastante violentas. Além disso, cada estudante possui uma coleira rastreadora em seu pescoço, a qual explodirá caso o aluno tente fugir, retirar a coleira ou permanecer em um quadrante proibido. Proibir a permanência de estudantes em determinados quadrantes tem como objetivo forçar a locomoção dos jovens e, consequentemente, o encontro entre eles.

O livro começa confuso ao apresentar os 42 estudantes que estão dentro de um ônibus acreditando estar a caminho de uma excursão escolar, mas logo a história torna-se viciante. Um gás é liberado dentro do veículo, deixando os alunos desacordados até que estes se encontrem em uma sala de aula para então receberem de um membro do governo - Sakamochi - a notícia de que são os selecionados para a batalha daquele ano. Sakamochi é o responsável pela batalha e é também quem dá, com crueldade e sarcasmo, os avisos sobre estudantes mortos e quadrantes proibidos.

"Battle Royale" traz como personagem principal Shuya Nanahara, um jovem com comportamentos subversivos, por dedicar-se à guitarra elétrica e ao rock, estilo musical proibido pela República da Grande Ásia Oriental. Shuya cresceu na Casa de Caridade, uma instituição católica que abrigava órfãos e crianças que por alguma razão não podiam viver com os pais, e lá fez seu melhor amigo Yoshitoki. É a partir de seu senso de amizade e de sua insatisfação com o governo que vamos sendo guiados pelo universo de "Battle Royale".

A história do governo parece ser o pretexto para que seja descrita a violenta batalha entre os estudantes, sem poupar o leitor dos detalhes. As histórias e personalidades de cada um dos alunos da Escola Shiroiwa somadas à uma dose de romance dão profundidade aos personagens e um pouco de humanidade num contexto desumano. Colocar pessoas tão jovens quanto estudantes do ensino fundamental em uma ilha para que se matem e contemplar ao final o único sobrevivente serve para reforçar na população o sentimento de desconfiança e assim evitar sua união contra o governo. "Battle Royale" fez estrondoso sucesso no Japão, tendo sido adaptado para o formato de filme, anime e mangá.

2.4.19

13 reasons why

[Data original do texto: 12/04/2017]

Este texto contém spoilers.


Acho válido pensar 13 Reasons Why como um olhar sobre a cultura do estupro, não negando que o debate central seja o suicídio mas conectando os acontecimentos para enxergar a ligação direta entre uma sociedade cuja cultura é machista e a morte de mulheres. Aí a gente pode refletir como os 13 motivos seriam outros não fosse a personagem principal ser do sexo feminino.

O entendimento de uma cultura do estupro parte da compreensão de que atitudes normalizadas em nosso dia a dia são parte da engrenagem de um sistema cujo produto é a violência contra a mulher. Por isso Hannah Baker começa seus motivos com uma foto num escorrega aonde sua calcinha aparece ou o seu nome numa lista feita por um rapaz de sua turma de ensino médio que atribui à ela o título de melhor traseiro e tem em seus últimos motivos o estupro que presencia e o estupro do qual é vítima. Uma vez que já sabemos estar vendo a história de uma adolescente que decidiu se matar, os primeiros motivos de Hannah tendem a parecer besteiras aos olhos daqueles que ainda não entenderam a engrenagem. Essa condução da história, que ganha profundidade ao longo dos episódios, foi o aspecto que me levou a fazer o link com a questão da cultura do estupro.

Sobre a polêmica que surgiu em torno da série não ser indicada para pessoas com depressão, eu discordo. Achei incapacitante ouvir categoricamente que eu não deveria ver a série por conta disso. Eu não estou desprovida da capacidade de decidir assistir ou não a um conteúdo por conta da minha depressão e não me sinto confortável quando vejo essa capacidade retirada de mim - e aqui vale dizer que é comum sermos colocados nesse lugar de passividade. Outro ponto é que ainda que entendamos o conceito de gatilho, a gente precisa ter cuidado para não cair na conclusão rasa de que é uma série o que leva uma pessoa a se matar. Não é, assim como o estupro não é cometido por alguém que destoa da realidade. Ambos os casos são produtos de uma lógica de sociedade que precisa ser repensada. E veja bem, colocar esses pingos no i's é diferente de recomendar a série às pessoas. Talvez o maior perigo se pensarmos em uma influência no espectador esteja no caráter punitivo das fitas de Hannah, uma vez que o público alvo da série é jovem.

Apesar de alguns personagens esteriotipados e do perceptível esticamento da história, a série torna-se importante ao trazer a questão do suicídio inserida num debate sobre o olhar negligente que muitas vezes temos para o período da adolescência. Joy Division na trilha sonora teve um efeito especial sobre mim, pois foi parte do que eu ouvia no meu ensino médio. 13 Reasons Why nos mostra uma jovem cuja narrativa de sua vida lhe é tomada e sem enxergar as possibilidades de retomá-la, a personagem acaba recorrendo ao suicídio, o que jamais deveria ser uma opção.