[Data original do texto: 24/12/15]
Sei que existe o Teste de Bechdel, que propõe observar nos
filmes se existe algo como: duas mulheres que tenham nomes e conversem entre si
sobre algo que não seja homens. O interessante em relação à esse teste e
que explica a difusão que ele ganhou é que muitos filmes não se encaixam nesse
quesito que parece bastante simples. Isso nos faz pensar em como as mulheres
são retratadas nas mídias e o que isso diz mais profundamente sobre a nossa
sociedade. Bom, aqui, de uma forma bem livre, eu queria propor três categorias:
mulher no protagonismo da história, mulher não objetificada e história escrita
por mulher.
Partindo daí, eu
pensei nas franquias que marcaram a minha vida. Antes de Star Wars, com
certeza, vem Harry Potter. Minha personagem favorita era (e é)
a Hermione. Fundamental na história, mas sem o protagonismo. Ainda assim,
a autora da história é uma mulher e Hermione não é uma personagem
objetificada.
Resolvi
assistir Star Wars quando eu tinha quinze anos e queria ver o
episódio III no cinema. Bom, pra isso, eu precisava assistir aos filmes
anteriores e lá fui eu. Amei a saga, e olhar criticamente não tem
necessariamente a ver com não gostar. Star Wars não tem pra mim o
significado que teve Harry Potter e nem que teria, mais
tarde, Jogos Vorazes. Mas ainda assim, eu gosto.
Eu li um texto,
com o qual concordei, sobre a objetificação
da princesa Leia no episódio VI, quando ela aparece vestida
de escrava, com uma roupa sexy mostrando bastante do
corpo. O problema em si não é apenas essa aparição dela em um momento da
história, mas a força que essa imagem teve pelo sucesso com o público masculino
(claro que existia essa intenção). Leia escrava iria se sobrepôr à Leia diplomata,
com seu vestido branco. O texto comenta sobre uma promoção dos livros
de Star Wars no Brasil, na Comic Con Experience de
2014. Lá estavam atores e atrizes fantasiados de personagens da saga e coube às
atrizes que representavam a princesa, usarem a tal roupa de escrava (e não o
mais característico -- ou deveria ser -- vestido longo branco). Os caras que
iam lá tirar fotos queriam logo segurar a corrente em torno do pescoço das
atrizes, sem sequer pedirem permissão pra isso.
Se vocês lerem -- o que eu
recomendo que não façam, por uma questão de fé na humanidade -- os comentários
nos artigos que comentam a possível abolição da versão de Leia
escrava pela Disney, vocês entendem rapidinho. Em resumo, são
comentários dizendo que eles querem ver é mulher assim mesmo, piadas machistas,
trocadilhos infelizes com sabre de luz e imagens de mais mulheres
objetificadas. A Natália Bridi fala nesse texto no
site do Omelete algo bem simples (e ainda foi super contestada): no
contexto da história, Leia foi vestida daquela forma para entreter o
vilão, numa clara humilhação. Agora digo eu: essa submissão serve ao imaginário
masculino. E mais, é retirado de seu contexto quando a menina vestida
de Leia para promoção dos livros no evento precisa vestir a roupa de
escrava. Sinceramente, falta sensibilidade àqueles que não perceberem aí a
metáfora perfeita. Novamente, nos comentários, Natália é acusada
de mimimi. Por que todos esses argumentos inteligentes e críticos
das mulheres são reduzidos a mimimi e consequentemente
deslegitimados e ridicularizados, enquanto se ignora o verdadeiro mimimi dos
homens reivindicando pela roupa sexy?
Leia é uma
mulher forte e com importância política, mas não é protagonista (o que coube
à Luke), é objetificada e é personagem de uma história escrita por um
homem. Rey surge agora como uma mulher forte e protagonista e, ao
menos durante este episódio VII, não objetificada. Rey surge
encaixada em uma série de personagens femininas assim, num atendimento da
indústria do entretenimento à difusão atual do discurso feminista. Ainda que
distorcida e romantizada para se tornar mais palatável, a luta das mulheres vem
ganhando alcance inegável, muito por causa das redes sociais que permitem,
ainda que com todas as suas limitações, que se rompa com o narrador único,
geralmente o homem branco e hétero, e dá o protagonismo à minorias em seu
discursos quando elas, enfim, falam por si mesmas. (Cês podem ler isso
direitinho nessa entrevista aqui.)
Em Star
Wars: O despertar da força, em nítida semelhança com
o episódio IV, Rey começa a sua aventura com BB-8, da mesma
forma que começava Luke com R2D2. Num contexto cerca de 30 anos
após O Retorno de Jedi, o piloto Poe foi enviado
pela Resistência ao planeta Jakku, atrás de um mapa que
acreditam levar ao paradeiro de Luke, agora desaparecido. Quando
a Primeira Ordem ataca o planeta, Poe coloca o mapa em seu
droide BB-8, que é encontrado por Rey, uma catadora de lixo que troca
o que encontra por comida. E logicamente, se Rey está com o
droide valioso, será perseguida pelos vilões da história. Quem
acompanha Rey nesse percurso é Finn. E aí temos a dupla
principal: uma mulher e um homem negro, bem diferente
de Leia e Luke, certo? O filme é bom como todos os outros
seis. Os meus preferidos são os desfechos (episódios III e VI) e por isso mesmo
considero relevante o fato de ter gostado tanto desse
início de uma nova série.
Por fim, como
citei Jogos Vorazes lá em cima, Katniss Everdeen é, enfim,
uma protagonista feminina, não objetificada, em história escrita por uma
mulher. Ou seja, Star Wars precisava de Rey. Figth like
a girl, Rey.
Textos que cito nesse post:
- Princesa Leia escrava -- Por que Leia é
sempre escrava e nunca diplomata?, por Rebeca Puig
- Por que é hora de aposentar o biquíni de
Leia, por Natália Bridi
- Entrevista com a professora Giovanna
Dealtry, por Carol Almeida
Recomendo as
leituras! ;)