15.12.16

star wars: o despertar da força

[Data original do texto: 24/12/15]

Sei que existe o Teste de Bechdel, que propõe observar nos filmes se existe algo como: duas mulheres que tenham nomes e conversem entre si sobre algo que não seja homens. O interessante em relação à esse teste e que explica a difusão que ele ganhou é que muitos filmes não se encaixam nesse quesito que parece bastante simples. Isso nos faz pensar em como as mulheres são retratadas nas mídias e o que isso diz mais profundamente sobre a nossa sociedade. Bom, aqui, de uma forma bem livre, eu queria propor três categorias: mulher no protagonismo da história, mulher não objetificada e história escrita por mulher.

Partindo daí, eu pensei nas franquias que marcaram a minha vida. Antes de Star Wars, com certeza, vem Harry Potter. Minha personagem favorita era (e é) a Hermione. Fundamental na história, mas sem o protagonismo. Ainda assim, a autora da história é uma mulher e Hermione não é uma personagem objetificada.

Resolvi assistir Star Wars quando eu tinha quinze anos e queria ver o episódio III no cinema. Bom, pra isso, eu precisava assistir aos filmes anteriores e lá fui eu. Amei a saga, e olhar criticamente não tem necessariamente a ver com não gostar. Star Wars não tem pra mim o significado que teve Harry Potter e nem que teria, mais tarde, Jogos Vorazes. Mas ainda assim, eu gosto.

Eu li um texto, com o qual concordei, sobre a objetificação da princesa Leia no episódio VI, quando ela aparece vestida de escrava, com uma roupa sexy mostrando bastante do corpo. O problema em si não é apenas essa aparição dela em um momento da história, mas a força que essa imagem teve pelo sucesso com o público masculino (claro que existia essa intenção). Leia escrava iria se sobrepôr à Leia diplomata, com seu vestido branco. O texto comenta sobre uma promoção dos livros de Star Wars no Brasil, na Comic Con Experience de 2014. Lá estavam atores e atrizes fantasiados de personagens da saga e coube às atrizes que representavam a princesa, usarem a tal roupa de escrava (e não o mais característico -- ou deveria ser -- vestido longo branco). Os caras que iam lá tirar fotos queriam logo segurar a corrente em torno do pescoço das atrizes, sem sequer pedirem permissão pra isso.

Se vocês lerem -- o que eu recomendo que não façam, por uma questão de fé na humanidade -- os comentários nos artigos que comentam a possível abolição da versão de Leia escrava pela Disney, vocês entendem rapidinho. Em resumo, são comentários dizendo que eles querem ver é mulher assim mesmo, piadas machistas, trocadilhos infelizes com sabre de luz e imagens de mais mulheres objetificadas. A Natália Bridi fala nesse texto no site do Omelete algo bem simples (e ainda foi super contestada): no contexto da história, Leia foi vestida daquela forma para entreter o vilão, numa clara humilhação. Agora digo eu: essa submissão serve ao imaginário masculino. E mais, é retirado de seu contexto quando a menina vestida de Leia para promoção dos livros no evento precisa vestir a roupa de escrava. Sinceramente, falta sensibilidade àqueles que não perceberem aí a metáfora perfeita. Novamente, nos comentários, Natália é acusada de mimimi. Por que todos esses argumentos inteligentes e críticos das mulheres são reduzidos a mimimi e consequentemente deslegitimados e ridicularizados, enquanto se ignora o verdadeiro mimimi dos homens reivindicando pela roupa sexy?

Leia é uma mulher forte e com importância política, mas não é protagonista (o que coube à Luke), é objetificada e é personagem de uma história escrita por um homem. Rey surge agora como uma mulher forte e protagonista e, ao menos durante este episódio VII, não objetificada. Rey surge encaixada em uma série de personagens femininas assim, num atendimento da indústria do entretenimento à difusão atual do discurso feminista. Ainda que distorcida e romantizada para se tornar mais palatável, a luta das mulheres vem ganhando alcance inegável, muito por causa das redes sociais que permitem, ainda que com todas as suas limitações, que se rompa com o narrador único, geralmente o homem branco e hétero, e dá o protagonismo à minorias em seu discursos quando elas, enfim, falam por si mesmas. (Cês podem ler isso direitinho nessa entrevista aqui.)

Em Star Wars: O despertar da força, em nítida semelhança com o episódio IV, Rey começa a sua aventura com BB-8, da mesma forma que começava Luke com R2D2. Num contexto cerca de 30 anos após O Retorno de Jedi, o piloto Poe foi enviado pela Resistência ao planeta Jakku, atrás de um mapa que acreditam levar ao paradeiro de Luke, agora desaparecido. Quando a Primeira Ordem ataca o planeta, Poe coloca o mapa em seu droide BB-8, que é encontrado por Rey, uma catadora de lixo que troca o que encontra por comida. E logicamente, se Rey está com o droide valioso, será perseguida pelos vilões da história. Quem acompanha Rey nesse percurso é Finn. E aí temos a dupla principal: uma mulher e um homem negro, bem diferente de Leia e Luke, certo? O filme é bom como todos os outros seis. Os meus preferidos são os desfechos (episódios III e VI) e por isso mesmo considero relevante o fato de ter gostado tanto desse início de uma nova série.

Por fim, como citei Jogos Vorazes lá em cima, Katniss Everdeen é, enfim, uma protagonista feminina, não objetificada, em história escrita por uma mulher. Ou seja, Star Wars precisava de Rey. Figth like a girl, Rey.

Textos que cito nesse post:

Recomendo as leituras! ;)