8.2.12

"Histórias Cruzadas", um drama leve e sem grandes comprometimentos


O trailer de Histórias Cruzadas mostra que o filme terá como assunto a vida de mulheres negras nos EUA da década de 60, sujeitas ao racismo e à violência da Ku Klux Klan. Mas o próprio colorido das imagens e a forma leve com que as cenas são mostradas deixam claro que essa triste realidade será apenas plano de fundo, enquanto a ênfase estará em dramas pessoais e na construção um tanto caricata das personagens. Um drama leve, eu diria. É uma história que traz para discussão o racismo, sobretudo o daquela época. Mas, arrisco dizer, um filme muito mais sobre o privilegiado do que sobre o oprimido. Um filme que torna o privilegiado, em muitos aspectos, desprezível. Mas que também se esforça em mostrar que nem todo privilegiado é opressor. Embora estes sejam minoria.


Baseado no livro A Resposta (The Help), de Kathryn Stockett, Histórias Cruzadas, dirigido por Tate Taylor, traz como personagem principal uma aspirante à escritora, Skeeter Phelan (Emma Stone). Skeeter é uma mulher branca que não se encaixa no padrão das demais mulheres brancas que a cercam - todas casadas, bem arrumadas e muito preocupadas com a opinião alheia. Intrigada com o que levou a mulher (negra) que a criou a ir embora de sua casa, Skeeter fica indignada com a vida que as babás e empregadas negras têm, submetidas aos preconceitos das famílias para as quais trabalham. Então, resolve coletar relatos delas e contar a história do ponto de vista das empregadas. Sempre fico interessada por histórias de pessoas que, por alguma razão, fogem do caminho que lhes é reservado. Pessoas que contestam, que refletem, que não se acomodam diante do que está errado pelo simples fato de que as coisas sempre foram assim e, logicamente, pelo fato de que não são elas as diretamente afetadas pelas “coisas como elas são”. Acho que isso fica bastante nítido na cena em que o rapaz com quem Skeeter estava se relacionando diz à ela: “Tudo está bem. Por que criar problemas?”. E ela responde: “Porque o problema já existe”.


Aibileen Clark (Viola Davis) é a primeira empregada a resolver dar seus depoimentos à Skeeter. Ela costumava escrever em um caderno suas orações e resolveu também escrever suas experiências como empregada. Minny Jackson (Octavia Spencer) é outra empregada que ganha destaque na história, com um comportamento mais atrevido. Minha personagem favorita, no entanto, é Celia Foote (Jessica Chastain). Suas primeiras aparições no filme dão a impressão de que ela será mais uma responsável pelas constrangedoras cenas de racismo e humilhação. Mas Celia é de derreter o coração. Para mim é impossível resistir a uma personagem que engana pela aparência, ou seja, que também mexe com os nossos preconceitos. É mais fácil ser uma Skeeter, que em nada se parece com as demais mulheres da história, do que ser Celia Foote. Preocupada com a aparência e com a opinião do marido, em muito se parece com as mulheres racistas retratadas na história. Mas ela é diferente.

Celia Foote, minha personagem favorita :)

Um ponto que muito me incomodou no filme foi o fato de que a maioria das personagens são mulheres. Considerando que isso é algo raro, era para ser um aspecto bom. O que tem de ruim então? Os homens se ausentam do problema. Nenhum personagem masculino aparece tempo suficiente para se que possa delinear alguma personalidade. Os homens não aparecem sendo boas pessoas, mas também não vêm deles as atitudes mais nojentas e odiosas do filme. Eles não são os responsáveis por dizer “sim” ou “não” às empregadas. Eles não vigiam se as empregadas estão realmente usando o banheiro destinado à elas ou o dos brancos. Eles não mandam elas embora. E a responsabilidade pela indiferença dada às crianças é da mãe e não do pai. No melhor estilo “isso é briga de mulher”, eles ficam de fora, deixando a impressão que o drama das babás negras na década de 60 foi resultado de uma briguinha entre mulheres no melhor estilo Meninas Malvadas (Mean Girls), onde Hilly Holbrook seria uma espécie de Regina George dos anos 60. A diferença é que não estamos falando de briguinhas na escola e sim de preconceito racial.

As Mean Girls dos anos 60

Falando em Hilly Holbrook, ela é detestável. Mas confesso que enquanto Minny revelava sua vingança e todo o cinema caía na gargalhada, eu era a cara da descrença. O pior é que, a partir da revelação, o filme insiste nessa mesma tecla como algo engraçado e eu simplesmente não vi graça. Para mim, um momento constrangedor e nada divertido. Em outros momentos o filme é realmente engraçado. Às vezes, emocionante. Mas, sinceramente, achei muito mais um drama leve e ficcional do que um filme comprometido com a realidade e a reflexão. O que também é válido e, creio eu, estava claro no trailer. O que eu gostei em Histórias Cruzadas e em Os descendentes, é que eles misturaram a comédia e o drama, deixando o filme levinho de assistir, mas sem deixar de emocionar. Ainda assim, entre os dois, eu prefiro Os descendentes.